Fernando Pessoa é um dos grandes nomes da literatura. Sua
inventividade e técnica poética fazem dele um dos poetas mais conhecidos e admirados
da língua portuguesa. É um dos preferidos de muita gente, eu inclusive. E tenho
um atração especial por Mensagem (1934), o único livro em português que ele publicou
em vida (e que ficou em 2º lugar(‼) no prêmio Antero Quental daquele ano (Romaria,
de Vasco Reis, foi o primeiro)).
Fernando Pessoa quase sempre nos oferece múltiplas camadas
de leitura e quanto mais se sabe da tradição portuguesa e do contexto da época
em que foi escrito (entre 1914-1934), mais deliciosa se torna essa obra, riquíssima
de recursos poéticos. Então vou começar mostrando um pouco da estrutura da obra,
muito ligada aos símbolos de Portugal, e comentando brevemente as chamadas Conferências Democrática
do Cassino, ocorridas em 1870.
PARTE
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SUBDIVISÃO
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POEMAS
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1. Brasão
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I. Os Campos
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Os castelos
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O das quinas
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II. Os Castelos
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1) Ulisses
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2) Viriato
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3) O conde D. Henrique
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4) D. Tareja
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5) D. Afonso Henriques
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6) D. Dinis
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7 a) D. João, o primeiro
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7 b) D. Filipa de Lencastre
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III. As Quinas
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D. Duarte, rei de Portugal
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D. Fernando, infante de Portugal
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D. Pedro, regente de Portugal
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D. João, infante de Portugal
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D. Sebastião, rei de Portugal
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IV. A Coroa
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Nunálvares Pereira
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V. O Timbre
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A cabeça do grifo / O infante D. Henrique
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Uma asa do grifo / D. João, o segundo
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A outra asa do grifo / Afonso de Albuquerque
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2. Mar Português
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O infante
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Horizonte
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Padrão
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O monstrengo
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Epitáfio de Bartolomeu Dias
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Os colombos
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Ocidente
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Fernão de Magalhães
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Ascensão de Vasco da Gama
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Mar Português
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A última nau
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Prece
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3. O Encoberto
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I. Os Símbolos
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D. Sebastião
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O Quinto Império
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O Desejado
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As Ilhas Afortunadas
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O Encoberto
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II. Os Avisos
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O Bandarra
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Antônio Vieira
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Terceiro
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III. Os Tempos
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Noite
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Tormenta
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Calma
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Antemanhã
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Nevoeiro
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Como mostram os títulos das partes, a estrutura da obra
reflete os símbolos e as personagens (históricas e mitológicas) de Portugal
numa sequência cronológica, tendo em Os Lusíadas uma obra com a qual
evidentemente dialoga.
Das citadas Conferências Democrática do Cassino saiu o
diagnóstico que Portugal se tornara um país decadente. Potência mundial dos
séculos XIV a XVI, o país perdeu sua importância e ficou relegado à margem da
ordem mundial. Intelectuais e escritores portugueses conviviam com a necessidade
de entender as razões de o porquê dessa decadência e do que fazer para
novamente ser protagonista da história.
Mensagem é a resposta de Pessoa, que, numa possível leitura,
nos indica que Portugal não tinha que lamentar as perdas materiais que sofreu
(como a independência das colônias conquistadas), mas a perda da sede, da
vontade, do espírito que havia levado o país à vanguarda marítima, comercial e científica
de outrora.
E Fernando Pessoa faz isso mostrando como o povo português
teve muitos feitos e heróis, realizando aventuras de proporções épicas tendo
como um dos pontos centrais o sonho. E que é o declínio desse sonho que deixou
Portugal imerso no grande nevoeiro em que se encontrava no início do século XX.
O início da obra é por si só magistral, mostrando de cara
toda a força da imaginação e da construção de imagens do poeta. Com versos que
fazem parte de nossa cultura e imaginário, Pessoa visualiza a Europa como um
corpo feminino. Reclinada sobre um de seus cotovelos (a Inglaterra) tem seu
outro recuado, a Itália – o rosto, voltado para vastidão do Oceano à frente, é
Portugal.
I. OS CAMPOS
PRIMEIRO / OS CASTELOS
A Europa jaz, posta nos cotovelos:
De Oriente a Ocidente jaz, fitando,
E toldam-lhe românticos cabelos
Olhos gregos, lembrando.
O cotovelo esquerdo é recuado;
O direito é em ângulo disposto.
Aquele diz Itália onde é pousado;
Este diz Inglaterra onde, afastado,
A mão sustenta, em que se apoia o rosto.
Fita, com olhar sphyngico e fatal,
O Ocidente, futuro do passado.
O rosto com que fita é Portugal.
SEGUNDO / O DAS QUINAS
Os Deuses vendem quando dão.
Compra-se a glória com desgraça.
Ai dos felizes, porque são
Só o que passa!
Baste a quem baste o que lhe basta
O bastante de lhe bastar!
A vida é breve, a alma é vasta:
Ter é tardar.
Foi com desgraça e com vileza
Que Deus ao Cristo definiu:
Assim o opôs à Natureza
E Filho o ungiu.
Os Lusíadas já traziam Portugal como “cabeça da Europa toda”
(e essa intertextualidade com Camões, de suporte e superação, está sempre presente).
Mas lá era uma vontade divina, de que os portugueses vencessem os mouros (a
conquista de cada castelo é representado no escudo português), aqui uma
condição e uma missão mais abrangente, que aguarda o que virá, mas também vê além, quase que a guiar e liderar toda a Europa.
Na simbologia heráldica, as quinas representam as chagas de Cristo
e o dinheiro com que foi vendido por Judas, evidenciando a missão portuguesa de
lutar contra os infiéis. No segundo poema, as quinas podem ser entendidas como
o sofrimento, o preço pago pela nação portuguesa para construir sua história. Nele
estão contidas todos os argumentos da obra, da mensagem que ele quer deixar aos
portugueses: a glória futura, a desgraça como sinal de eleição, a necessidade
de se libertar da materialidade e a identificação com Cristo (definido como tal
pelo sacrifício).
Assim se dividem os poemas dessa primeira parte, remetendo
ao brasão de Portugal. Trata do nascimento e da fundação da nação, com as
grandes figuras da história de Portugal, desde Dom Henrique, fundador do
Condado Portucalenses, passando por sua esposa, Dona Tareja, e seu filho,
primeiro rei de Portugal, Dom Afonso Henriques, até o infante Dom Henrique
(1394-1460), fundador da Escola de Sagres e grande fomentador da expansão
ultramarina portuguesa, e Afonso de Albuquerque (1462-1515), dominador
português do Oriente. Incluindo Ulisses que, na tradição mitológica presente também
nOs Lusíadas, seria um dos fundadores de Lisboa
Mar português, a segunda parte, apresentadas as grandes navegações
portuguesas, que levou o país a seu lugar de destaque. Padrão evidencia a
amplitude dessa missão e aventura portuguesa:
III. PADRÃO
O esforço é grande e o homem é pequeno.
Eu, Diogo Cão, navegador, deixei
Este padrão ao pé do areal moreno
E para diante naveguei.
A alma é divina e a obra é imperfeita.
Este padrão sinala ao vento e aos céus
Que, da obra ousada, é minha a parte feita:
O por-fazer é só com Deus.
E ao imenso e possível oceano
Ensinam estas Quinas, que aqui vês,
Que o mar com fim será grego ou romano:
O mar sem fim é português.
E a Cruz ao alto diz que o que me há na alma
E faz a febre em mim de navegar
Só encontrará de Deus na eterna calma
O porto sempre por achar.
O poema mais conhecido de toda a obra, Mar Português, também
remete aOs Lusíadas, no episódio da “despedida das naus em Belém”. São as
lágrimas de Portugal, o salgado do mar. Aqui já se vê o eco do "compra-se a glória com desgraça". A referência final ao Cabo Bojador, na
costa do Marrocos, traz o mito existência de monstros marinhos, responsáveis
pelo desaparecimento de inúmeras embarcações que tentaram ultrapassá-lo. O
feito de superá-lo, como não podia deixar de ser, foi de um português, Gil
Eanes em 1434. O fechamento é de mais uma belíssima imagem e sonoridade, com sua forte mensagem – embora
tantos perigos, o reflexo do céu está no mar. Nisso, ao contrário dOs Lusíadas, as navegações não são um fim em si mesmo, não são pela sua materialidade, mas pelo seu caráter espiritual ("em naus que são construídas daquilo que os sonhos são feitos") que podem levar Portugal ao seu lugar de destaque.
X. MAR PORTUGUÊS
Ó mar salgado, quanto do teu sal
São lágrimas de Portugal!
Por te cruzarmos, quantas mães choraram,
Quantos filhos em vão rezaram!
Quantas noivas ficaram por casar
Para que fosses nosso, ó mar!
Valeu a pena? Tudo vale a pena
Se a alma não é pequena.
Quem quer passar além do Bojador
Tem que passar além da dor.
Deus ao mar o perigo e o abismo deu,
Mas nele é que espelhou o céu.
Na terceira parte, o Encoberto, a figura mística de Dom Sebastião
e as inúmeras profecias ligadas a ele. Dom Sebastião, rei de Portugal, teve a frota
dizimada em ataque aos mouros em 1578. Entre outros, Bandarra e Antônio Vieira
preveem o retorno de Dom Sebastião para resgatar o poderio de Portugal, criando
o Quinto Império, marcando a supremacia de Portugal sobre o mundo. A visão
messiânica de São Sebastião carrega tudo que o jovem rei representou: o sonho
de grandeza, da expansão do cristianismo e das conquistas ultramarinas. Os
poemas parecem justamente trazer o clima de magia em torno de presságios e
adivinhações, daí o tom enigmático e as indagações do que está por vir. Quando
está por vir? O último verso do último poema responde: É a hora!
QUINTO / NEVOEIRO
Nem rei nem lei, nem paz nem guerra,
Define com perfil e ser
Este fulgor baço da terra
Que é Portugal a entristecer-
Brilho sem luz e sem arder,
Como o que o fogo-fátuo encerra.
Ninguém sabe que coisa quer.
Ninguém conhece que alma tem,
Nem o que é mal nem o que é bem.
(Que ânsia distante perto chora?)
Tudo é incerto e derradeiro.
Tudo é disperso, nada é inteiro.
Ó Portugal, hoje és nevoeiro...
É a Hora!
(Para quem quiser mais, José Carrero faz - com muito mais propriedade - uma análise extensa, e por vezes diferente, de Mensagem nesse
link)