29 de julho de 2013

Building Stories

Na sexta (19 de julho) o “Building Stories”, de Chris Ware, ganhou quatro categorias do prêmio Will Eisner, realizado na Comic-Con. As quatro categorias foram Melhor Álbum Gráfico Inédito, Melhor Escritor/Ilustrador, Melhor Colorista e Melhor Letrista. (Quer ver todo mundo que ganhou? Olha aqui!)




Li o livro em abril, depois de um tempo tentanto comprar. E wow, um dos melhores livros que li esse ano até agora. 


O livro na realidade é uma caixa com vários caderninhos, livrinhos, tirinhas e até jornais. Não existe um começo ou um fim - é só ir pegando eles e lendo. Com isso, a construção dos personagens é lenta, e um pouco confusa no comecinho - mas incrível depois. Por não ter uma ordem específica, cada leitor vai ter um processo e uma sequência diferentes de apresentação de personagens. Nesse sentido, a cronologia assume um papel curioso - o leitor acaba entrando na vida de alguém em um ponto aleatório, e descobrindo aos poucos o que veio antes ou depois disso. 


É importante falar que o livro é basicamente sobre a vida de pessoas e seus sentimentos (principalmente solidão), que podem ser abordados à exaustão por vezes. É bonito, no fim acaba sendo uma crônica uma vida inteira. 
Para mim, um dos pedaços mais legais é um que mostra um prédio pensando. Ele dá vida à construção - e foi um jeito ótimo de provocar uma reflexão sobre as pessoas que moram ali. Outro pedaço legal é a história de um casal de abelhas (fofo, fofo).


O livro é terrivelmente humano, o que pode acabar sendo cruel também. É curioso ver o que acontece depois que o sonho aparentemente se concretiza.
Uma das personagens, que é um pouco como a personagem principal, parece sempre frustrada e parece com uma alma inquieta, esperando mais mas sem saber o que. Ela vai indo com a vida, sem fazer nada muito grande para mudar as coisas, mesmo quando não se sente confortável com o que está na frente dela. Isso pode parecer apatia, mas em outros momentos ela parece bastante corajosa por se jogar em uma nova situação, sem medo de não dar certo. Ela ainda tem uma consciência humana muito forte, uma espécie de sensação de pertencimento ao mundo, de conexão entre as coisas.


Jimmy Corrigan, outro livro do mesmo autor, foi publicado no Brasil pela Companhia das Letras. Ainda não vi nada sobre uma previsão de uma tradução desse - é inclusive uma obra complexa para ser traduzida.








27 de julho de 2013

Poemas - Vladimir Maiakóvski



Maiakóvski é meu poeta preferido. Digo isso com certa culpa literária/patriótica/linguística, mas a culpa não é suficiente para tirar-lhe de seu lugar para mim. Um dia aprenderei russo e será, primeiro, para ler Maiakóvski no original. Um de seus poemas mais famosos é uma resposta ao bilhete de suicídio (belíssimo),  do também poeta russo (e desafeto) Serguei Iessiênin, que se matou enforcado e de pulsos cortados em seu quarto no hotel Inglaterra.

A Serguei Iessiênin - Vladimir Maiakovski (poema completo)

Você partiu,
como se diz,
para o outro mundo.    
Vácuo...
Você sobe,
entremeado às estrelas.
Nem álcool,
nem dinheiro.
Sóbrio.
Vôo sem fundo.
Não Iesiênin,
não posso
fazer troça,
Na boca
uma lasca amarga
– não a mofa.
Olho –
            sangue nas mãos frouxas,
você sacode
                o invólucro
                        dos ossos
Pare,
       basta!
            Você perdeu o senso?
Deixar
            que a cal
                        mortal
                                   lhe cubra o rosto?
Você, com todo esse talento
para o impossível;
hábil
como poucos.
Por quê?
Para quê?
Perplexidade.
– É o vinho!
– a crítica esbraveja.
Tese:
refratário à sociedade.
Corolário:
muito vinho e cerveja.

Sim,
se você trocasse
a boêmia
 pela classe.
A classe agiria em você.
e  lhe daria um norte. 
E a classe,
por acaso,
mata a sede com xarope?
[…]
Remédio?
            Para mim,
                        despautério:
mais cedo ainda
                        você estaria nessa corda.
Melhor
morrer de vodka
que de tédio!
[…]
Talvez,
se houvesse tinta
no “Inglaterra”
você
não cortaria
os pulsos.
Os plagiários felizes
pedem: bis!
Já todo
um pelotão
 em auto-execução.
Para que
aumentar
o rol dos suicidas?
Antes
aumentar
a produção de tinta!
[…]
Por enquanto
há escória
de sobra.
O tempo é escasso –
mãos à obra!
Primeiro
é preciso
transformar a vida,
para cantá-la –
em seguida.
Os tempos estão duros
para o artista?
Mas,
 dizei-me,
 anêmicos e anões,
os grandes,
 onde,
em que ocasião,
escolheram
uma estrada
batida?
[…]
Para o júbilo
o planeta
está imaturo,
É preciso
arrancar alegria
ao futuro.
Nesta vida,
morrer não é difícil,
O difícil
é a vida e seu ofício.

           
O descobri aos 18 anos quando, estagiário de Física, conversei com o estagiário de Língua Portuguesa que carregava um livro envolto sempre num plástico. Me emprestou. Três dias depois me pediu de volta. Já tinha lido, relido e trelido, mas só devolvi quando o meu chegou da compra pela Internet. Desde então o li mais de 50 vezes. Bem mais.

Um dia o perdi, comprei outro, achei o anterior. O novo ficou no plástico durante anos – seguro na estante caso acontecesse algo com o primeiro. Piada entre amigos só saiu de minha vista quando o dei de presente para minha namorada (com nova piada de amigos), hoje minha esposa (e o livro voltou aqui para casa!).

O vigor, o destemor, a dramaticidade, a invenção e o engajamento crítico e político, a literatura/vida revolucionária, a sonoridade e, sobretudo, as imagens impressionam. Muito. Tudo em Maiakóvski é grandioso, é duradouro, é alento e incômodo. Poesia como forma de produção, dificílima, complexíssima, mas forma de produção.


A FLAUTA-VÉRTEBRA (prólogo)

A todas vocês,
que eu amei e que eu amo,
ícones guardados num coração-caverna,
como quem num banquete ergue a taça e celebra,
repleto de versos levanto meu crânio.

Penso, mais de uma vez:
seria melhor talvez
pôr-me o ponto final de um balaço.
Em todo caso
eu
hoje vou dar meu concerto de adeus.

Memória!
Convoca aos salões do cérebro
um renque inumerável de amadas.
Verte o riso de pupila em pupila,
veste a noite de núpcias passadas.
De corpo a corpo verta a alegria.
esta noite ficará na História.
Hoje executarei meus versos
na flauta de minhas próprias vértebras.



Num primeiro momento, a temática é evidente par atrair os jovens. Com o tempo, o fervor passa, a inocência passa e até a crença no futuro arrefece. A poesia de Brecht vai me parecendo mais ingênua, mas não a de Maiakóvski. O russo é capaz de tocar na flauta das próprias vértebras, bradar a plenos pulmões pela revolução e pela humanidade, cantar pela vida e se suicidar. Não fizessem mais nada além de traduzir parte da obra de Maiakóvski e Boris Schnaiderman e os irmãos Campos já teriam seus nomes na história dos amantes de literatura.

Comecei a escrever “a sério” por querer fazer parte do que Maiakóvski fazia: rimas eco, assonâncias e aliterações, pausas e ritmos, disposição dos versos e, principalmente, grandiosidade de imagens. A maioria pastiches sem futuro que se perderam entre rascunhos, mas ainda sei que quase sempre que começo um poema, é ele quem eu queria ser.


Cartaz de Alexandr Rodchenko


A PLENOS PULMÕES 
(Primeira Introdução ao Poema)

Caros
          camaradas
                      futuros!
Revolvendo
        a merda fóssil
                        de agora,
perscrutando
estes dias escuros,
talvez
              perguntareis
                            por mim. Ora,
[…]
A mim cabe falar
                de mim
                      de minha era.
Eu – incinerador,
                 eu – sanitarista,
a revolução
                    me convoca e me alista.
[…]
Triste honra,
                 se de tais rosas
minha estátua se erigisse:
na praça
           escarra a tuberculose;
putas e rufiões
                 numa ronda de sífilis.
Também a mim
          a propaganda
                        cansa,
é tão fácil
        alinhavar
                romanças, –
mas eu
          me dominava
                  entretanto
e pisava
            a garganta do meu canto.
[…]
Meu verso chegará,
                não como a seta
lírico-amável,
              que persegue a caça.
Nem como
          ao numismata
               a moeda gasta,
nem como a luz
                   das estrelas decrépitas.
Meu verso
          com labor
               rompe a mole dos anos,
e assoma
    a olho nu,
                 palpável,
                      bruto,
como a nossos dias
chega o aqueduto
levantado
                por escravos romanos.
No túmulo dos livros,
               versos como ossos,
se estas estrofes de aço
acaso descobrirdes,
vós as respeitareis,
                          como quem vê destroços
de um arsenal antigo,
                mas terrível.
[…]
Desdobro minhas páginas
          – tropas em parada,
e passo em revista
                          o front das palavras.
Estrofes estacam
             chumbo-severas,
prontas para o triunfo
          ou para a morte.
Poemas-canhões, rígida coorte,
apontando
               as maiúsculas
           abertas.
Ei-la,
    a cavalaria do sarcasmo,
minha arma favorita,
                      alerta para a luta.
Rimas em riste,
      sofreando o entusiasmo,
eriça
        suas lanças agudas.
E todo
      este exército aguerrido,
vinte anos de combates,
não batido,
eu vos dôo,
                proletários do planeta,
cada folha
            até a última letra.
[…]
Morre,
          meu verso,
                    como um soldado
anônimo
na lufada do assalto.
Cuspo
      sobre o bronze pesadíssimo,
cuspo
          sobre o mármore viscoso.
Partilhemos a glória, –
                    entre nós todos, –
o comum monumento:
o socialismo,
forjado
             na refrega
                            e no fogo.
[…]
Camarada vida,
            vamos,
                para diante,
galopemos
      pelo qüinqüênio afora.
Os versos
      para mim
              não deram rublos,
nem mobílias               
de madeiras caras.
Uma camisa
      lavada e clara,
                    e basta, –
                              para mim é tudo.
Ao Comitê Central
                  do futuro
                                   ofuscante,
sobre a malta
                  dos vates
velhacos e falsários,
apresento
em lugar
do registro partidário
todos
              os cem tomos

                    dos meus livros militantes.

23 de julho de 2013

Litercultura


Curitiba já teve feira do livro, bienal do livro, semana da literatura e tantas outras coisas que é difícil até de lembrar de todas. O curioso é que são poucos os eventos que passam da primeira edição, mas quase todo ano temos pelo menos alguma coisa para ver. Mas enfim, o festival do momento é o Litercultura - que acontece nos dias 16, 17 e 18 de agosto.




Abaixo, coloco a listinha dos eventos que pretendo ir, mas você pode ir no site do evento ver a lista completa!


Sexta - 16 de agosto

19h30 – CONFERÊNCIA DE ABERTURA

Alberto Manguel
Falando sobre o paraíso: pode a literatura nos ajudar a construir um mundo melhor?
(Palestra em espanhol)

Sábado - 17 de agosto

10h30 – SESSÃO ESPECIAL
Marcelo Almeida conversa sobre o livro A contadora de filmes, de Hermán Rivera Letelier em sessão especial do programa de leitura Conversa entre Amigos.

14h30 – SEGUNDA  SESSÃO
Gonçalo M. Tavares, com mediação de Flávio Stein
O Bairro e o Reino, o Mal e a Ficção
17h30 – QUARTA  SESSÃO
Cristovão Tezza, com mediação de Christian Schwartz

Viagens pela leitura: leituras importantes & impactantes na formação do leitor e do escritor

19h – QUINTA SESSÃO
Ana Maria Machado, em conversa com Silio Boccanera
Palavras, palavrinhas, palavrões

(O festival continua no domingo também, mas não sei se vou em alguma coisa desse dia).
* As descrições foram tiradas do site do evento ;)

20 de julho de 2013

Mastodontes na sala de espera – Bruno Brum

Terceiro livro do mineiro Bruno Brum (1981), Mastodontes na sala de espera (2011) marca o autor como uma das grandes vozes da geração de poetas que começou a publicar nos anos 2000. Geração em que, cada vez mais, parece não sentir a necessidade de exibir erudição ou malabarismos linguísticos sem objetivos claros, e que também costuma deixar de lado partes da técnica poética – métrica, ritmo e rima, em especial –, priorizando a imagem, a sonoridade e a mensagem do poema.



De poesia bem-humorada, irônica e simples (e não é simples fazer isso), Bruno Brum contribui para aproximar a poesia do leitor brasileiro. Em parte por trazer correntemente para os limites da poesia discursos que não lhe eram tão comuns, como o jurídico e o científico (como em “Discurso por ocasião de um congresso internacional de pessoas jurídicas”, a banalidade e cotidiano (como em “Paisagem com dublê”).

Embora sem apresentar tantas camadas de leitura como poemas isolados (ou eu, como leitor, não tive a competência de decifrá-lo tanto), os poemas mostram incrível unidade e certo nível de questionamento por detrás de sua quase literalidade – além de nos deixar a questão (ou ampliar a visão) de até onde vai a poesia. “Noventa e nove blefes”, por exemplo, é um conjunto de frases/versos que funcionam independentemente:

NOVENTA E NOVE BLEFES

[…]
Tudo conta ponto contra.
*
Cuspo duas vezes no chão e já não estou só.
[…]
*
Comete-te a ti mesmo.
[…]
*
O vizinho mala do 202 insiste em ouvir Djavan no domingo às nove da noite. O vizinho mala do 202 sou eu.
[…]
*
Me viu e foi logo dizendo: Sou uma carta não lida, um bilhete perdido na chuva. Tentei encontrar algo que eu também pudesse ser. Um símbolo, uma imagem. Nada.
*
E eu, eu sou o demônio. Qualquer dúvida me liga.


O que nos leva a perguntar se seu conjunto forma um poema sobre o denso plano temático que o suporta e de onde emergem ótimas passagens e, principalmente a questão da não-identidade e não-territorialidade.

Sem serem sutis nem vagos – afinal são Mastodontes –, os poemas nos perguntam qual o seu lugar – a sala de espera (a espera de quem?) – e nos fazem refletir qual é o nosso. O poeta observa, com uma sincera ou forjada (se perguntar qual a opção é uma das recompensas da leitura) objetividade e neutralidade e dá sua solução: quase todos os poemas acabam com seu ponto final, o fim da definição, repetida com frequência para que não haja muita dúvida: estamos permanentemente deslocados, nada nos diferencia (de tão automatizados?) e não há nada para nós:

UM DELES (poema que abre o livro)

Os que acreditam fazem perguntas aos que parecem acreditar.
Os que parecem, parecem não ouvir.
Os que ouvem permanecem calados.
Os que respondem parecem não acreditar no que dizem
os que perguntam.
Todo se parecem em silêncio.


MUITOS (poema que fecha o livro)

Muitos falando ao mesmo tempo.
Muitos tentando dizer alguma coisa ao mesmo tempo.
Muitos, ao que parece.
Muitos ao mesmo tempo.


PERGUNTAS EM TORNO DE UMA FESTA (meu favorito e único sem o final ponto final, mas que se diferencia e sintetiza a todos):

Imagine-se em uma festa, dançando.
A música é do tipo A, e você dança de um jeito do tipo B.
Você estará no ritmo?
Você estará na realidade da festa?
Os outros irão querer dançar com você?
Você acha que será respeitado?
Não seria melhor ir para outra festa?
Ou você preferiria um lugar com cinco tipos de música tocando ao mesmo tempo?
Ou ainda um lugar onde não haja música, dança ou pessoa?
Que tipo de festa você costuma frequentar?
Com que tipo de gente você costuma se envolver?
Você responderia a essas perguntas com convicção?
Tem uma opinião formada sobre o assunto?
Pagaria para ver até aonde vai a curiosidade alheia?
Precisa de um tempo para pensar?


Há muitos outros poemas que mereciam ser trazidos para esse espaço, mas no final eu me daria conta que digitei quase o livro todo, então não retirarei o prazer do leitor de folhear, manusear e anotar (n)o livro que, aliás, também contém intervenções visuais. Assim, Mastodontes na sala de espera nos traz a visão de um poeta cinegrafista (“O cameraman só pensa em voltar para casa”), que mesmo quando fala em primeira pessoa trata de cenas muito mais do que sentimentos (quase sempre representados mecanicamente) e costura, muito bem, sua obra (poesia?) em torno do não-pertencimento e da não-identificação.

RITMOS VARIADOS

Todos os boleros do mundo
soando juntos deveriam fazer
algum sentido,
mas não fazem.

12 de julho de 2013

Gonçalves Dias

Qual teu poeta favorito? Sempre que me perguntam isso, Gonçalves Dias é o primeiro nome que me vem na cabeça (Maiakovski um milissegundo depois). Não que eu reconheça em Dias o melhor poeta que já li, mas foi em quem eu primeiro me fascinei pela poesia.

Parede que olho 

O maranhense Gonçalves Dias (1823-1864) é o primeiro escritor de gabarito a fazer uma poesia mais brasileira. A temática indianista (“um dos primeiros pródomos visíveis do movimento que enfim culminou na independência: o sentimento de superioridade a Portugal” disse Capistrano de Abreu), sua dicção bem menos francesa (embora ainda bastante portuguesa), sua variedade de poesia lírica, mas também de narrativas épicas e dramáticas (sim, era possível usar poesia para contar histórias, boas histórias) – isso tudo me cativava. Mas minha fascinação era o ritmo, a cadência sedutora do verso, a espontaneidade com que se alternavam sílabas tônicas e átonas (especialmente no crescente duas átonas e uma tônica). Até hoje, menos que métrica, rima, sonoridade, sentido ou imagens, o que me conquista na poesia é o ritmo. E nisso Gonçalves Dias é quase inigualável.

Abaixo, três poemas. Não vou colocá-los completos em razão da extensão, mas deixo os links.


O poema em 10 cantos narra as variações psicológicas (e consequentes variações estéticas do poema) do guerreiro tupi que cai prisioneiro dos Timbiras – a preparação do ritual de seu sacrifício, seu canto de morte em que relata o drama do pai cego, sozinho e perdido na floresta, a desonrosa libertação, o reencontro com o pai, o reconhecimento do pai sobre o que ocorreu, a maldição que este roga ao filho, a reabilitação do herói e a eternização da história. O primeiro trecho abaixo, canto VIII, é da maldição (em negrito as sílabas tônicas que tão bem marcam o ritmo), o segundo, canto X, a lembrança de um velho timbira.

Canto VIII

"Tu choraste em presença da morte?
Na presença de estranhos choraste?
Não descende o cobarde do forte;
Pois choraste, meu filho não és!
Possas tu, descendente maldito
De uma tribo de nobres guerreiros,
Implorando cruéis forasteiros,
Seres presa de vis Aimorés.

"Possas tu, isolado na terra,
Sem arrimo e sem tria vagando,
Rejeitado da morte na guerra,
Rejeitado dos homens na paz,
Ser das gentes o espectro execrado;
Não encontres amor nas mulheres,
Teus amigos, se amigos tiveres,
Tenham alma inconstante e falaz! […]

Canto X

Um velho Timbira, coberto de glória,
Guardou a meria
Do moço guerreiro, do velho Tupi!
E à noite, nas tabas, se alguém duvidava
Do que ele contava,
Dizia prudente: - “Meninos, eu vi!



Da parte de lírica amorosa – há quem diga piegas, digo de intenso sentimento e incrível ritmo. Ao que tudo indica, possui motivação autobiográfica. A musa seria Ana Amélia, seu grande amor correspondido, mas não concretizado, cuja família tradicional não permitiria o casamento da filha com o poeta de pai português e mãe cafuza (Dias carregava no sangue a formação do Brasil).

Seus olhos tão negros, tão belos, tão puros,
De vivo luzir,
Estrelas incertas, que as águas dormentes
Do mar vão ferir;

[…]

Eu amo seus olhos tão negros, tão puros,
De vivo fulgor;
Seus olhos que exprimem tão doce harmonia,
Que falam de amores com tanta poesia,
Com tanto pudor.

Seus olhos tão negros, tão belos, tão puros,
Assim é que são;
Eu amo esses olhos que falam de amores
Com tanta paixão.



Comovente, o poema de 13 cantos narra um encontro inesperado anos depois do fim do relacionamento do poeta com a Ana Amélia, já casada (mal e obrigada), em Lisboa. O encontro é marcado pelas reticências, pontos e vírgulas, exclamações e suspensões, como a fala engasgada de quem procura entender e justificar a situação, aplacar a culpa que a amada lhe impõe por não ter resistido, a ponto dela lhe virar a face no reencontro.


IX

Que me enganei, ora o vejo;
Nadam-te os olhos em pranto,
Arfa-te o peito, e no entanto
Nem me podes encarar;
Erro foi, mas não foi crime,
Não te esqueci, eu to juro:
Sacrifiquei meu futuro,
Vida e glória por te amar!

 XVI

Dói-te de mim, que t'imploro
Perdão, a teus pés curvado;
Perdão!... de não ter ousado
Viver contente e feliz!
Perdão da minha miséria,
Da dor que me rala o peito,
E se do mal que te hei feito,
Também do mal que me fiz!



4 de julho de 2013

Sudoku com poemas

Da série compras por impulso, vi na livraria e comprei o “Sonetos de Shakespeare – faça você mesmo” (Objetiva, 2010, 126 p.).




A proposta é brincar de sudoku, mas com poemas. No sudoku, é preciso contar repetições, atentar para linhas, colunas e quadrados em busca de sequências de números que os resolvam. Pois traduzir poemas tem muito a ver com isso. Procura-se palavras em versos, rimas, métricas e sons até se completar/abandonar o poema. Ao final de um jogo de sudoku ser exercitou sua mente, o que já é válido. Mas fica muito mais divertido se o passatempo resultar em algo que tem sentido e pode ser compartilhado, que tal tentar?

Para começar podemos pegar uma língua de sons e vocabulário mais próximos ao nosso, o espanhol. Essas são as duas primeiras estrofes do Poema dos Dons de Jorge Luis Borges – ponto altíssimo do escritor argentino que remete ao fato dele cego ser designado diretor da Biblioteca Nacional da Argentina:

POEMA DE LOS DONES – Jorge Luis Borges 
Nadie rebaje a lágrima o reproche
esta declaración de la maestría
de Dios, que con magnífica ironía
me dio a la vez los libros y la noche.
De esta ciudad de libros hizo dueños
a unos ojos sin luz, que sólo pueden
leer en las bibliotecas de los sueños
los insensatos párrafos que ceden

Sem me alongar muito, entendo que poesia precisa ter pelo menos alguns dos seguintes elementos: métrica, ritmo, sonoridade, rima e imagem. Tente manter o máximo desses elementos sem se desviar muito do sentido original (ou se desvie, o poema agora também é seu!) e complete seu sudoku. Basta lápis, borracha e papel (mas, claro, pode pedir ajuda para o google translator).

Assim como no jogo japonês, há diversas respostas para o quebra-cabeças. Abaixo deixo algumas traduções, incluindo a minha (é só clicar no mais informações).

3 de julho de 2013

O meu ouro da Flip 2013


Eu na Flip em 2010 ;)


Não vou para a Flip 2013 (já me peguei batendo a cabeça na parede algumas vezes por causa disso). Mas, como nem tudo é desgraça, a organização desse evento transmite as mesas de autores ao vivo no site – muito amor, não? Então, a lista das mesas que mais estou querendo ver:

Mesa 01 – O dia-a-dia debaixo d’água (quinta, 04, 10h)

Participantes: Alice Sant’Anna, Ana Martins Marques, Bruna Beber (Mediação: Noemi Jaffe)

Poesia faz bem, não faz? As três vão discutir o papel do cotidiano em suas criações – “...o cotidiano assume inflexões várias – cômico, melancólico, sublime. A sucessão dos dias, observada naquilo que tem de mais trivial, pode se estender num clima arrastado de tarde de domingo ou sugerir uma possibilidade inesperada de revelação”, como diz a descrição da mesa.

Mesa 02 – As medidas da história (quinta, 04, 12h)

Participantes: Paul Goldberger, Eduardo Souto de Moura (Mediação: Ángel Gurría-Quintana)

Um crítico de arquitetura e urbanismo e um arquiteto conversam sobre “a relação entre os espaços físicos em que vivemos e nossas experiências de tempo e memória” (descrição oficial).

Mesa 08 – Ficção e confissão (sexta, 05, 17h15)

Participantes: Tobias Wolff, Juan Pablo Vilallobos (Mediação: Ángel Gurría-Quintana)

Os autores falam sobre a relação entre as experiências pessoais e memórias com a criação literária de um escritor.

Mesa 13 – O espelho da história (sábado, 06, 15h)

Participantes: Aleksandar Hemon, Laurent Binet (Mediação: Ángel Gurría-Quintana)

O tema da mesa é como a história pode fazer parte da criação ficcional e quais são as implicações morais envolvidas no processo.

Mesa 14 – Os limites da prosa (sábado, 06, 17h15)

Participantes: John Banville, Lydia Davis (Mediação: Samuel Titan Jr.)

Está tudo nos gregos ou ainda se pode fazer algo novo? “Dois dos mais importantes escritores contemporâneos conversam sobre a possibilidade e o propósito da experimentação literária numa época em que se diz que todas as regras já foram transgredidas” (descrição oficial).