12 de julho de 2013

Gonçalves Dias

Qual teu poeta favorito? Sempre que me perguntam isso, Gonçalves Dias é o primeiro nome que me vem na cabeça (Maiakovski um milissegundo depois). Não que eu reconheça em Dias o melhor poeta que já li, mas foi em quem eu primeiro me fascinei pela poesia.

Parede que olho 

O maranhense Gonçalves Dias (1823-1864) é o primeiro escritor de gabarito a fazer uma poesia mais brasileira. A temática indianista (“um dos primeiros pródomos visíveis do movimento que enfim culminou na independência: o sentimento de superioridade a Portugal” disse Capistrano de Abreu), sua dicção bem menos francesa (embora ainda bastante portuguesa), sua variedade de poesia lírica, mas também de narrativas épicas e dramáticas (sim, era possível usar poesia para contar histórias, boas histórias) – isso tudo me cativava. Mas minha fascinação era o ritmo, a cadência sedutora do verso, a espontaneidade com que se alternavam sílabas tônicas e átonas (especialmente no crescente duas átonas e uma tônica). Até hoje, menos que métrica, rima, sonoridade, sentido ou imagens, o que me conquista na poesia é o ritmo. E nisso Gonçalves Dias é quase inigualável.

Abaixo, três poemas. Não vou colocá-los completos em razão da extensão, mas deixo os links.


O poema em 10 cantos narra as variações psicológicas (e consequentes variações estéticas do poema) do guerreiro tupi que cai prisioneiro dos Timbiras – a preparação do ritual de seu sacrifício, seu canto de morte em que relata o drama do pai cego, sozinho e perdido na floresta, a desonrosa libertação, o reencontro com o pai, o reconhecimento do pai sobre o que ocorreu, a maldição que este roga ao filho, a reabilitação do herói e a eternização da história. O primeiro trecho abaixo, canto VIII, é da maldição (em negrito as sílabas tônicas que tão bem marcam o ritmo), o segundo, canto X, a lembrança de um velho timbira.

Canto VIII

"Tu choraste em presença da morte?
Na presença de estranhos choraste?
Não descende o cobarde do forte;
Pois choraste, meu filho não és!
Possas tu, descendente maldito
De uma tribo de nobres guerreiros,
Implorando cruéis forasteiros,
Seres presa de vis Aimorés.

"Possas tu, isolado na terra,
Sem arrimo e sem tria vagando,
Rejeitado da morte na guerra,
Rejeitado dos homens na paz,
Ser das gentes o espectro execrado;
Não encontres amor nas mulheres,
Teus amigos, se amigos tiveres,
Tenham alma inconstante e falaz! […]

Canto X

Um velho Timbira, coberto de glória,
Guardou a meria
Do moço guerreiro, do velho Tupi!
E à noite, nas tabas, se alguém duvidava
Do que ele contava,
Dizia prudente: - “Meninos, eu vi!



Da parte de lírica amorosa – há quem diga piegas, digo de intenso sentimento e incrível ritmo. Ao que tudo indica, possui motivação autobiográfica. A musa seria Ana Amélia, seu grande amor correspondido, mas não concretizado, cuja família tradicional não permitiria o casamento da filha com o poeta de pai português e mãe cafuza (Dias carregava no sangue a formação do Brasil).

Seus olhos tão negros, tão belos, tão puros,
De vivo luzir,
Estrelas incertas, que as águas dormentes
Do mar vão ferir;

[…]

Eu amo seus olhos tão negros, tão puros,
De vivo fulgor;
Seus olhos que exprimem tão doce harmonia,
Que falam de amores com tanta poesia,
Com tanto pudor.

Seus olhos tão negros, tão belos, tão puros,
Assim é que são;
Eu amo esses olhos que falam de amores
Com tanta paixão.



Comovente, o poema de 13 cantos narra um encontro inesperado anos depois do fim do relacionamento do poeta com a Ana Amélia, já casada (mal e obrigada), em Lisboa. O encontro é marcado pelas reticências, pontos e vírgulas, exclamações e suspensões, como a fala engasgada de quem procura entender e justificar a situação, aplacar a culpa que a amada lhe impõe por não ter resistido, a ponto dela lhe virar a face no reencontro.


IX

Que me enganei, ora o vejo;
Nadam-te os olhos em pranto,
Arfa-te o peito, e no entanto
Nem me podes encarar;
Erro foi, mas não foi crime,
Não te esqueci, eu to juro:
Sacrifiquei meu futuro,
Vida e glória por te amar!

 XVI

Dói-te de mim, que t'imploro
Perdão, a teus pés curvado;
Perdão!... de não ter ousado
Viver contente e feliz!
Perdão da minha miséria,
Da dor que me rala o peito,
E se do mal que te hei feito,
Também do mal que me fiz!



3 comentários:

  1. Quando penso em poesia, as primeiras que me veem à mente são da Cecília e do Drummond, um empate bem técnico, digamos, ela com os versos infantis e ele, já com palavras adultas, mas que eu curtia desde criança...

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  2. Muito boas lembranças, Bia!!

    E Cecília também é uma mestra do ritmo e sonoridade, lembrei do óbvio, mas belíssimo, Motivo:

    Eu canto porque o instante existe
    e a minha vida está completa.
    Não sou alegre nem sou triste:
    sou poeta.

    Irmão das coisas fugidias,
    não sinto gozo nem tormento.
    Atravesso noites e dias
    no vento.


    Se desmorono ou se edifico,
    se permaneço ou me desfaço,
    — não sei, não sei. Não sei se fico
    ou passo.


    Sei que canto. E a canção é tudo.
    Tem sangue eterno a asa ritmada.
    E um dia sei que estarei mudo:
    — mais nada.

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  3. Sim, esse é ótimo. Esqueci-me de dizer que agora, adulta, fui conhecer mais da poesia "adulta" (?) da Cecilia e gostei muito, também. Outra que conheci adulta foi a Florbela Espanca, recentemente.

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