Terceiro livro do mineiro Bruno Brum (1981), Mastodontes na
sala de espera (2011) marca o autor como uma das grandes vozes da geração de
poetas que começou a publicar nos anos 2000. Geração em que, cada vez mais, parece
não sentir a necessidade de exibir erudição ou malabarismos linguísticos sem
objetivos claros, e que também costuma deixar de lado partes da técnica poética
– métrica, ritmo e rima, em especial –, priorizando a imagem, a sonoridade e a mensagem
do poema.
De poesia bem-humorada, irônica e simples (e não é simples
fazer isso), Bruno Brum contribui para aproximar a poesia do leitor brasileiro.
Em parte por trazer correntemente para os limites da poesia discursos que não
lhe eram tão comuns, como o jurídico e o científico (como em “Discurso por
ocasião de um congresso internacional de pessoas jurídicas”, a banalidade e
cotidiano (como em “Paisagem com dublê”).
Embora sem apresentar tantas camadas de leitura como poemas
isolados (ou eu, como leitor, não tive a competência de decifrá-lo tanto), os
poemas mostram incrível unidade e certo nível de questionamento por detrás de
sua quase literalidade – além de nos deixar a questão (ou ampliar a visão) de
até onde vai a poesia. “Noventa e nove blefes”, por exemplo, é um conjunto de
frases/versos que funcionam independentemente:
NOVENTA E NOVE BLEFES
[…]
Tudo conta ponto contra.
*
Cuspo duas vezes no chão e já não estou só.
[…]
*
Comete-te a ti mesmo.
[…]
*
O vizinho mala do 202 insiste em ouvir Djavan no domingo às
nove da noite. O vizinho mala do 202 sou eu.
[…]
*
Me viu e foi logo dizendo: Sou uma carta não lida, um bilhete perdido na chuva. Tentei
encontrar algo que eu também pudesse ser. Um símbolo, uma imagem. Nada.
*
E eu, eu sou o demônio. Qualquer dúvida me liga.
O que nos leva a perguntar se seu conjunto forma um poema
sobre o denso plano temático que o suporta e de onde emergem ótimas passagens e,
principalmente a questão da não-identidade e não-territorialidade.
Sem serem sutis nem vagos – afinal são Mastodontes –, os
poemas nos perguntam qual o seu lugar – a sala de espera (a espera de quem?) – e
nos fazem refletir qual é o nosso. O poeta observa, com uma sincera ou forjada
(se perguntar qual a opção é uma das recompensas da leitura) objetividade e
neutralidade e dá sua solução: quase todos os poemas acabam com seu ponto final,
o fim da definição, repetida com frequência para que não haja muita dúvida: estamos
permanentemente deslocados, nada nos diferencia (de tão automatizados?) e não há
nada para nós:
UM DELES (poema
que abre o livro)
Os que acreditam fazem perguntas aos que parecem acreditar.
Os que parecem, parecem não ouvir.
Os que ouvem permanecem calados.
Os que respondem parecem não acreditar no que dizem
os que perguntam.
Todo se parecem em silêncio.
MUITOS (poema que
fecha o livro)
Muitos falando ao mesmo tempo.
Muitos tentando dizer alguma coisa ao mesmo tempo.
Muitos, ao que parece.
Muitos ao mesmo tempo.
PERGUNTAS EM TORNO DE
UMA FESTA (meu favorito e único sem o final ponto final, mas que se
diferencia e sintetiza a todos):
Imagine-se em uma festa, dançando.
A música é do tipo A, e você dança de um jeito do tipo B.
Você estará no ritmo?
Você estará na realidade da festa?
Os outros irão querer dançar com você?
Você acha que será respeitado?
Não seria melhor ir para outra festa?
Ou você preferiria um lugar com cinco tipos de música
tocando ao mesmo tempo?
Ou ainda um lugar onde não haja música, dança ou pessoa?
Que tipo de festa você costuma frequentar?
Com que tipo de gente você costuma se envolver?
Você responderia a essas perguntas com convicção?
Tem uma opinião formada sobre o assunto?
Pagaria para ver até aonde vai a curiosidade alheia?
Precisa de um tempo para pensar?
Há muitos outros poemas que mereciam ser trazidos para esse
espaço, mas no final eu me daria conta que digitei quase o livro todo, então não
retirarei o prazer do leitor de folhear, manusear e anotar (n)o livro que,
aliás, também contém intervenções visuais. Assim, Mastodontes na sala de espera
nos traz a visão de um poeta cinegrafista (“O cameraman só pensa em voltar para
casa”), que mesmo quando fala em primeira pessoa trata de cenas muito mais do
que sentimentos (quase sempre representados mecanicamente) e costura, muito
bem, sua obra (poesia?) em torno do não-pertencimento e da não-identificação.
RITMOS VARIADOS
Todos os boleros do mundo
soando juntos deveriam fazer
algum sentido,
mas não fazem.
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