Maiakóvski é meu poeta preferido. Digo isso com certa culpa
literária/patriótica/linguística, mas a culpa não é suficiente para tirar-lhe
de seu lugar para mim. Um dia aprenderei russo e será, primeiro, para ler
Maiakóvski no original. Um de seus poemas mais famosos é uma resposta ao
bilhete de suicídio (belíssimo), do também poeta russo (e desafeto) Serguei Iessiênin, que se matou enforcado e de
pulsos cortados em seu quarto no hotel Inglaterra.
A Serguei Iessiênin -
Vladimir Maiakovski (poema completo)
Você partiu,
como se diz,
para o outro
mundo.
Vácuo...
Você sobe,
entremeado às
estrelas.
Nem álcool,
nem dinheiro.
Sóbrio.
Vôo sem fundo.
Não Iesiênin,
não posso
fazer troça,
Na boca
uma lasca amarga
– não a mofa.
Olho –
sangue nas
mãos frouxas,
você sacode
o invólucro
dos
ossos
Pare,
basta!
Você perdeu
o senso?
Deixar
que a cal
mortal
lhe
cubra o rosto?
Você, com todo esse talento
para o impossível;
hábil
como poucos.
Por quê?
Para quê?
Perplexidade.
– É o vinho!
– a crítica
esbraveja.
Tese:
refratário à sociedade.
Corolário:
muito vinho e cerveja.
Sim,
se você trocasse
a boêmia
pela classe.
A classe agiria em você.
e lhe daria um norte.
E a classe,
por acaso,
mata a sede
com xarope?
[…]
Remédio?
Para mim,
despautério:
mais cedo ainda
você
estaria nessa corda.
Melhor
morrer de vodka
que de tédio!
[…]
Talvez,
se houvesse tinta
no “Inglaterra”
você
não cortaria
os pulsos.
Os plagiários felizes
pedem: bis!
Já todo
um pelotão
em auto-execução.
Para que
aumentar
o rol dos
suicidas?
Antes
aumentar
a produção de
tinta!
[…]
Por enquanto
há escória
de sobra.
O tempo é escasso –
mãos à obra!
Primeiro
é preciso
transformar a vida,
para cantá-la –
em seguida.
Os tempos estão duros
para o
artista?
Mas,
dizei-me,
anêmicos e anões,
os grandes,
onde,
em que ocasião,
escolheram
uma estrada
batida?
[…]
Para o júbilo
o planeta
está imaturo,
É preciso
arrancar alegria
ao futuro.
Nesta vida,
morrer não é difícil,
O difícil
é a vida e seu ofício.
O descobri aos 18 anos quando, estagiário de Física,
conversei com o estagiário de Língua Portuguesa que carregava um livro envolto
sempre num plástico. Me emprestou. Três dias depois me pediu de volta. Já tinha
lido, relido e trelido, mas só devolvi quando o meu chegou da compra pela
Internet. Desde então o li mais de 50 vezes. Bem mais.
Um dia o perdi, comprei outro, achei o anterior. O novo
ficou no plástico durante anos – seguro na estante caso acontecesse algo com o
primeiro. Piada entre amigos só saiu de minha vista quando o dei de presente para
minha namorada (com nova piada de amigos), hoje minha esposa (e o livro voltou
aqui para casa!).
O vigor, o destemor, a dramaticidade, a invenção e o
engajamento crítico e político, a literatura/vida revolucionária, a sonoridade
e, sobretudo, as imagens impressionam. Muito. Tudo em Maiakóvski é grandioso, é
duradouro, é alento e incômodo. Poesia como forma de produção, dificílima,
complexíssima, mas forma de produção.
A FLAUTA-VÉRTEBRA
(prólogo)
A todas vocês,
que eu amei e que eu amo,
ícones guardados num coração-caverna,
como quem num banquete ergue a taça e celebra,
repleto de versos levanto meu crânio.
Penso, mais de uma vez:
seria melhor talvez
pôr-me o ponto final de um balaço.
Em todo caso
eu
hoje vou dar meu concerto de adeus.
Memória!
Convoca aos salões do cérebro
um renque inumerável de amadas.
Verte o riso de pupila em pupila,
veste a noite de núpcias passadas.
De corpo a corpo verta a alegria.
esta noite ficará na História.
Hoje executarei meus versos
na flauta de minhas próprias vértebras.
Num primeiro momento, a temática é evidente par atrair os
jovens. Com o tempo, o fervor passa, a inocência passa e até a crença no futuro
arrefece. A poesia de Brecht vai me parecendo mais ingênua, mas não a de
Maiakóvski. O russo é capaz de tocar na flauta das próprias vértebras, bradar a
plenos pulmões pela revolução e pela humanidade, cantar pela vida e se
suicidar. Não fizessem mais nada além de traduzir parte da obra de Maiakóvski e
Boris Schnaiderman e os irmãos Campos já teriam seus nomes na história dos
amantes de literatura.
Comecei a escrever “a sério” por querer fazer parte do que
Maiakóvski fazia: rimas eco, assonâncias e aliterações, pausas e ritmos, disposição
dos versos e, principalmente, grandiosidade de imagens. A maioria pastiches sem
futuro que se perderam entre rascunhos, mas ainda sei que quase sempre que começo
um poema, é ele quem eu queria ser.
Cartaz de Alexandr Rodchenko
A PLENOS PULMÕES
(Primeira
Introdução ao Poema)
Caros
camaradas
futuros!
Revolvendo
a merda fóssil
de agora,
perscrutando
estes dias escuros,
talvez
perguntareis
por mim. Ora,
[…]
A mim cabe falar
de mim
de
minha era.
Eu – incinerador,
eu – sanitarista,
a revolução
me
convoca e me alista.
[…]
Triste honra,
se de tais rosas
minha estátua se erigisse:
na praça
escarra a tuberculose;
putas e rufiões
numa ronda de sífilis.
Também a mim
a propaganda
cansa,
é tão fácil
alinhavar
romanças,
–
mas eu
me dominava
entretanto
e pisava
a garganta
do meu canto.
[…]
Meu verso chegará,
não
como a seta
lírico-amável,
que
persegue a caça.
Nem como
ao numismata
a moeda gasta,
nem como a luz
das
estrelas decrépitas.
Meu verso
com labor
rompe a mole dos anos,
e assoma
a olho nu,
palpável,
bruto,
como a nossos dias
chega o
aqueduto
levantado
por
escravos romanos.
No túmulo dos livros,
versos como ossos,
se estas estrofes de aço
acaso
descobrirdes,
vós as respeitareis,
como quem vê destroços
de um arsenal antigo,
mas terrível.
[…]
Desdobro minhas páginas
– tropas em
parada,
e passo em revista
o front das palavras.
Estrofes estacam
chumbo-severas,
prontas para o triunfo
ou para a
morte.
Poemas-canhões, rígida coorte,
apontando
as maiúsculas
abertas.
Ei-la,
a cavalaria do
sarcasmo,
minha arma favorita,
alerta
para a luta.
Rimas em riste,
sofreando o
entusiasmo,
eriça
suas lanças
agudas.
E todo
este exército aguerrido,
vinte anos de combates,
não batido,
eu vos dôo,
proletários
do planeta,
cada folha
até a
última letra.
[…]
Morre,
meu verso,
como
um soldado
anônimo
na lufada do assalto.
Cuspo
sobre o bronze
pesadíssimo,
cuspo
sobre o
mármore viscoso.
Partilhemos a glória, –
entre nós todos, –
o comum monumento:
o socialismo,
forjado
na
refrega
e no fogo.
[…]
Camarada vida,
vamos,
para
diante,
galopemos
pelo qüinqüênio
afora.
Os versos
para mim
não
deram rublos,
nem mobílias
de madeiras caras.
Uma camisa
lavada e clara,
e
basta, –
para mim é tudo.
Ao Comitê Central
do
futuro
ofuscante,
sobre a malta
dos
vates
velhacos e
falsários,
apresento
em lugar
do registro
partidário
todos
os cem
tomos
dos meus livros militantes.
Quem gosta de poesia, precisa ler esse livro do Maiakovski; aliás, precisa ler Maiakovski. Aquela geração de 20/30 foi maravilhosa com grande nomes da poesia russa. Uma pena que praticamente todos morreram muito cedo muito por causa do regime comunista. Curioso que a outra grande geração de poetas russos também morreu cedo, lá no século XIX com Puchkin e Liermontov.
ResponderExcluirPois é, Aline... Conhece o "A geração que esbanjou seus poetas" do Roman Jakobson?
ResponderExcluirJá li esse livro do Jakobson, Alysson. Outro que toca nesse assunto também é o Trotsky em "Literatura e Revolução". Conhece esse?
ResponderExcluirNão conheço, Aline. Mas obrigado pela indicação, já foi para a lista de desejos!
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